Diz-se que há muitos séculos, nas montanhas sombrias da Serra da Estrela, viveu um cavaleiro solitário chamado Dom Lourenço do Espelho Velado. Poucos o viram, e os que viram, nunca esqueceram.
Conta-se que Dom Lourenço era belo e justo, mas amaldiçoado desde o nascimento: nenhum reflexo podia mostrá-lo. Espelhos partidos, águas turvas — nunca conseguia ver o próprio rosto. A sua mãe, uma curandeira de Penamacor, dizia que o rapaz carregava “uma alma mais antiga que o próprio tempo”.
Segundo a lenda, Dom Lourenço protegia os viajantes perdidos nas neves, surgindo no nevoeiro montado num cavalo branco com olhos cor de âmbar. Salvava, guiava, desaparecia.
A história mais contada é a da noite em que Dom Lourenço enfrentou uma sombra sem nome — uma criatura feita de medo, que descia dos vales quando as aldeias esqueciam os seus antigos pactos com a terra. Diz-se que, nessa batalha, o cavaleiro desapareceu com o monstro... e ninguém mais o viu.
Mas em noites geladas, dizem os pastores mais velhos, quem subir à serra sozinho pode encontrar um espelho partido no chão — e, por breves segundos, ver um rosto que não é o seu a olhar de volta.